Artigo

Seminarista Marcos José Serafim Azevedo

Sem o Domingo não podemos viver

Por Seminarista Marcos José Serafim Azevedo

 

Sem o Domingo não podemos viver

Vivemos com alegria e intensidade o Tempo Pascal, voltamos às fontes do Batismo e renovamos nossas promessas, acompanhamos o Senhor Ressuscitado que aparece aos discípulos e comunica a sua paz e, mais recentemente, a Solenidade de Pentecostes, na qual os discípulos, reunidos no Cenáculo, recebem o Espírito Santo. Renovamos, assim, a centralidade de nossa fé: o Mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

O apóstolo Paulo, em sua carta aos Coríntios nos adverte que “se Cristo não ressuscitou, vazia é nossa pregação, vazia também é vossa fé[1]. O mistério pascal, portanto, nos renova em nossa caminhada de fé, coloca-nos em contato com nossa esperança e recorda que devemos ser “testemunhas da ressurreição[2]. É nossa missão anunciar a boa nova que faz arder os corações e renova a vida humana, com palavras e atitudes, testemunhando, assim, a vida nova que Cristo nos indica.

Esse grande mistério pascal não se restringe às celebrações da semana Santa, sobretudo no Sagrado Tríduo Pascal e em seu prolongamento de 50 dias, conhecido como Tempo Pascal. Nós Cristãos entramos em contato com este grande mistério em cada Domingo do ano, o dia do Senhor e dia da Ressurreição. É o dia, portanto, de celebrarmos a nossa fé, reunindo-nos em comunidade para ouvir a Palavra de Deus e comungar de seu Corpo.

Assim, a celebração dominical está “no coração da vida da Igreja[3]. É lá que vamos nos encontrar com o Ressuscitado, fazendo também nós, no hoje de nossa vida e história, a mesma experiência dos apóstolos reunidos no cenáculo, onde Cristo se manifesta em meio a eles, convida Tomé para que se aproxime, o toque e acredite[4]. O Domingo é para nós, portanto, a Páscoa semanal[5], no qual, orientamos o nosso tempo e nossa vida, enquanto lançamos o olhar para o dia final da segunda vinda de Cristo[6].

Diante de tamanha riqueza podemos nos perguntar: como tratamos o dia do Senhor? É triste ver em nossas comunidades aqueles que buscam a Celebração Dominical meramente pelo cumprimento do preceito ou, no outro extremo, simplesmente pelo costume, para acompanhar um parente, por algum evento “diferente” que ocorrerá, mas não se deixam tocar pela grandeza desse dia. O ritmo de nossa vida leva, muitas vezes, a passar pelo domingo simplesmente como mais um dia em nossa semana, ou até mesmo como o dia desagradável que põe fim ao tão esperado final de semana.

O domingo deixa de ditar o ritmo de nossa vida. Já não é o primeiro dia da semana, mas o dia que põe fim ao final de semana. Não mais o dia do encontro com o Ressuscitado, do descanso, dia por excelência de se viver a caridade, mas simplesmente mais um dia. No ritmo frenético que entramos, motivados pelo trabalho, as relações de consumo etc., ansiamos muito mais a chegada da sexta-feira, para termos um pouco de descanso e estar mais junto a família, ou simplesmente “viver a vida”.

Muitos são os desafios que possuímos para viver o Domingo naquilo que ele é. Talvez, olhando para os testemunhos dos cristãos que nos precederam, encontramos luzes e ânimos para pensar respostas para os desafios de hoje. Dentre os vários testemunhos, encontramos um do século IV. Na perseguição aos cristãos, no período do imperador Diocleciano, 49 mártires de Abitene, uma localidade no norte da África, proibidos de realizarem o culto sagrado, se reúnem clandestinamente num domingo para rezar. Acontece que foram denunciados e levados às autoridades romanas para serem interrogados, donde nos chega uma bonita profissão de sua fé: Sem o domingo não podemos viver! E como não renunciaram a fé, foram martirizados no ano 303[7]. É um evento radical, estes mártires morreram por aquilo que acreditavam e experimentaram. A fé no ressuscitado os impelia a estarem em comunidade para celebrar este sagrado dia.

Além do testemunho destes mártires, acabamos de celebrar a Solenidade de Pentecostes, donde após este evento os Cristãos nunca mais pararam de se reunir aos domingos. Nesta celebração apagamos o Círio Pascal, símbolo da presença do Ressuscitado em nosso meio, mas não o apagamos como se Cristo não estivesse mais entre nós, mas sim, confiantes de que Ele está conosco e assim permanecerá até o fim dos tempos[8]. Esse gesto nos recorda que cada um de nós, tendo acesa a lâmpada da fé, possui a incumbência de levar essa mesma luz de Cristo aos nossos irmãos e irmãs, ser, portanto, luz para o mundo[9], como o próprio Cristo nos ensina. Só o seremos, no entanto, na medida em que continuarmos unidos em comunidade, renovando o nosso encontro com Cristo, na Páscoa Semanal.

É com essa renovada alegria da Ressurreição que vamos transformando os demais dias de nossa semana, transformando as pessoas que encontramos, os lugares por onde passamos, pois portamos o grande e belo anúncio da ressurreição de Jesus. Em cada Celebração Eucarística renovamos esse compromisso ao aclamarmos após as palavras da consagração: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus![10] É esse nosso compromisso de batizados que renovamos no encontro com Jesus Ressuscitado, lançamos as sementes do Reino enquanto esperamos que o próprio Cristo venha e leve seu reinado à plenitude.

De domingo em domingo, portanto, vamos abrindo o nosso coração à novidade deste anúncio, examinamos a semana que passamos e nos deixamos envolver pela misericórdia de Deus. Fazemos uma “pausa restauradora na caminhada rumo ao céu[11] para recobrarmos as forças, sermos educados na fé e revigorados na caminhada. Deixemo-nos tocar por estes mistérios, a fim de que os frutos que colhemos na celebração deste Tempo Pascal nos ajude a ter mais consciência do domingo e que este dia adquira cada vez mais importância em nossa vida, de tal modo que também nós testemunhemos com fé, usando as mesmas palavras dos mártires de Abitene: Sem o domingo não podemos viver.

 

[1] 1 Cor 15, 14

[2] At 1,22

[3] CIC n. 2177

[4] Cf. Dies Domini, n. 29

[5] Anúncio da Páscoa e das Festas Móveis de 2023. In. Diretória da Liturgia e da Igreja no Brasil, p. 39.

[6] Cf. Dies Domini n. 75

[7] Cf. Veja mais em:

[8] Cf. Mt 20, 28

[9] Cf. Mt 5, 13-16

[10] Oração Eucarística III. Missal Romano (2ª edição típica para o Brasil), p. 484.

[11] Missal Romano, p. 404