Não se pode criminalizar o amor ao próximo

Por Dom Luiz Fernando Lisboa

Nos últimos tempos, temos acompanhado, com dor e perplexidade, a crescente truculência com que algumas autoridades vêm tratando os irmãos e irmãs em situação de rua. Em várias cidades do país, prefeitos e agentes públicos têm agido não para acolher, mas para reprimir. E o mais grave: em nome da ordem e da segurança, vêm impedindo que voluntários, agentes de pastorais e pessoas de boa vontade ofereçam comida, roupa ou um gesto simples de solidariedade a quem nada tem.

Essa postura revela mais do que despreparo: revela a tentativa de criminalizar o amor ao próximo, como se cuidar do outro fosse um ato fora da lei. Como Igreja, como cristãos, não podemos nos calar diante disso. A omissão, nesse caso, também é uma forma de violência.

Jesus se identifica com os pobres e marginalizados: “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era estrangeiro e me acolhestes” (Mt 25,35). O que fizermos a um dos pequenos, é a Ele que fazemos. O que deixarmos de fazer, também.

Sabemos que a presença crescente de moradores de rua é consequência de múltiplas causas, entre elas a desigualdade social, a desestruturação familiar, o uso de drogas, o desemprego e, em muitos casos, o sofrimento psíquico não tratado. A pandemia da COVID-19 agravou esse cenário. A saúde mental, já fragilizada, foi negligenciada por muitos governos, e os resultados estão diante dos nossos olhos: aumento da miséria, do abandono, da dor silenciosa.

Mas qual tem sido a resposta de parte das autoridades? Não o cuidado, não a escuta, não a criação de políticas públicas eficazes, mas a remoção forçada, o impedimento de ajuda, a repressão travestida de ordem. Cuidar do espaço urbano é necessário sim. Mas não às custas da dignidade humana. Não varrendo a pobreza para debaixo do tapete. Não tratando como ameaça quem já perdeu quase tudo.

Quero, como bispo diocesano, agradecer e incentivar todos os agentes das Pastorais Sociais, os missionários leigos, os voluntários das noites, os que distribuem pão e ternura, os que não desistiram de amar no concreto em todos os municípios que compõem a nossa Diocese de Cachoeiro de Itapemirim. Vocês estão no caminho do Evangelho. Continuem firmes. Não tenham medo. O bem pode ser perseguido, mas nunca será vencido.

E às autoridades públicas, deixo um apelo: reconheçam os rostos por trás das estatísticas. Não são números. São vidas! Gente que precisa de oportunidades, de acolhimento, de políticas que tratem a causa — não só o sintoma.

O tempo pascal que vivemos nos lembra que a Ressurreição é para todos. Também para os que hoje dormem debaixo de viadutos, calçadas e praças. Enquanto houver cristãos dispostos a amar, a caridade nunca será ilegal.

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Autor:

Dom Luiz Fernando Lisboa

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