O abraço como primeiro cuidado

Pe. José Carlos Ferreira da Silva

Há gestos que antecedem as palavras. Antes de qualquer frase, antes até do nome, existe o toque que funda o mundo: braços que acolhem, corpo que embala, calor que fala sem som. É nesse instante primeiro — no encontro entre pele e cuidado — que o ser humano começa a existir. A confiança nasce antes da linguagem.

O britânico Winnicott, um dos grandes nomes da psicologia do desenvolvimento e da psicanálise do século XX, chamou isso de holding: o ato de sustentar, de oferecer presença antes de oferecer explicações. No colo, o bebê descobre que a vida não é uma queda livre. Há braços que amparam. E o mundo, então, começa a parecer habitável.

Mas o tempo passa, e o corpo cresce. As palavras ganham força, as rotinas ocupam o espaço do silêncio. Ainda assim, algo dentro de nós continua à procura daquele primeiro gesto. O adulto cansado, ferido, ansioso, quer apenas — mesmo sem saber — um lugar onde possa, por um instante, ser novamente segurado.

Um abraço não resolve, mas reorganiza. Ele recolhe o que se espalhou, devolve contorno ao que estava desfeito. É o modo mais humano de dizer “eu te vejo” sem precisar de som.

E é por isso que o abraço atravessa séculos e tecnologias sem perder o sentido. Nenhuma mensagem, por mais bem escrita, substitui o peso exato de um corpo sustentando outro. É o lembrete de que somos frágeis, mas não sozinhos.

Por isso, em tempos de pressa e distância, o abraço continua sendo resistência. É a insistência em cuidar com o corpo, em lembrar que toda cura começa quando alguém se permite sustentar — e alguém se deixa ser sustentado.

Ser segurado, afinal, é mesmo o começo de ser.

Compartilhar Post:

Autor:

Pe. José Carlos

Últimas notícias