Dom Luiz Fernando Lisboa, CP
Neste final de semana, uma frase do Papa Leão XIV ressoou com a força de um chamado urgente, que nenhum de nós pode ignorar: “Não há conflitos distantes quando a dignidade humana está em jogo.” Para mim, que vivi os horrores da guerra em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, essas palavras não são abstratas. Vi de perto a dor de um povo esquecido, marcado por violência, deslocamento e medo. Hoje, servindo à Igreja de Cachoeiro de Itapemirim, trago comigo essas feridas – e a certeza de que nenhuma guerra, nenhuma injustiça, está realmente longe quando nos deixamos tocar pelo Evangelho.
Temos a tendência — perigosa e cômoda — de pensar que as guerras, os conflitos armados, as perseguições e as misérias humanas estão “lá fora”: em outros países, outros continentes, longe da nossa rotina. Fechamos os olhos para não ver, tapamos os ouvidos para não ouvir, como se a distância geográfica fosse também uma distância moral. Mas não é.
Cada criança que chora ou morre em Gaza, cada família despedaçada na Ucrânia, cada vida perdida no Sudão e no Iraque, cada refugiado que atravessa o mar em busca de sobrevivência… tudo isso nos interpela. Não porque seja “agenda política” ou “notícia internacional”, mas porque é Evangelho. Porque a dignidade humana não conhece fronteiras.
Jesus nos ensinou a reconhecer o próximo não pela proximidade física, mas pela capacidade de compaixão. O bom samaritano não era vizinho, parente ou cidadão da mesma terra. Era apenas alguém que viu, parou e fez algo, agiu com humanidade.
Como cristãos, não temos o direito de nos acostumar. Não podemos deixar que a indiferença se torne hábito, que a guerra vire paisagem de telejornal, que o sofrimento alheio nos pareça normal. Porque cada guerra fere o Corpo de Cristo. Cada injustiça nega o Reino. Cada ser humano desrespeitado é imagem de Deus ultrajada.
A frase do Papa Leão XIV é um estandarte. Um alerta. Um empurrão para a consciência. Não podemos tratá-la como retórica bonita. Precisamos deixá-la queimar dentro de nós.
Portanto, convido todos nesta Diocese a um exame profundo:
- Temos rezado pelos que sofrem longe de nós?
- Temos formado nosso olhar com informações verdadeiras e críticas sobre o que acontece no mundo?
- Temos nos educado na solidariedade global?
- Temos feito escolhas de consumo, de voto, de opinião, que promovem a paz e a dignidade humana?
- Temos tido sensibilidade para cuidar de quem sofre perto de nós?
Este é o momento de levantar a voz, mesmo em nossas pequenas comunidades, contra toda forma de violência, discriminação e desumanização — aqui e em qualquer lugar. O cristão não tem pátria única: sua pátria é o Céu, e enquanto caminha na Terra, seu compromisso é com todo ser humano, sobretudo os mais feridos.
Que as palavras do Santo Padre nos acordem da apatia. E que Maria, Rainha da Paz, nos ensine a carregar no coração o mundo inteiro — como fez no silêncio da cruz, quando aceitou a todos como filhos.