UTI da humanidade

Pe. José Carlos Ferreira da Silva

Não leio o mundo a partir de uma ótica pessimista. No entanto, basta acompanhar a edição de um dos telejornais pelo mundo para perceber que as palavras do arcebispo de Buenos Aires fazem sentido: “Está morrendo a fraternidade, a tolerância e o respeito .” A frase, dita por Dom Jorge García Cuerva, não soa como sermão, mas como laudo médico. Um diagnóstico que dispensa exames: basta abrir a janela, ligar o celular ou atravessar a rua para confirmar.

A fraternidade está na UTI. O respirador dela é uma gentileza isolada no ônibus, um “bom dia” tímido no elevador, um prato dividido sem ser fotografado. Vive de pequenas transfusões de bondade, mas cada vez mais raras.

A tolerância, essa paciente antiga, já perdeu muito peso. Vive sendo atacada por dietas radicais de opinião: ou engole o que eu penso ou não almoça comigo. Sofre de alergia crônica ao diferente, e qualquer contato com a discordância lhe causa urticária nas redes sociais.

E o respeito… ah, o respeito. Ele anda de muletas, depois de tantas quedas. Escorregou na calçada da pressa, tropeçou nos comentários anônimos e foi atropelado pelo “eu falo o que quero” sem freio.

O pior é que não há antibiótico para isso. Não existe vacina contra a indiferença. Só existe um remédio caseiro: lembrar que ninguém aqui é imortal, e que viver em guerra constante é desperdiçar o pouco tempo que temos.

Ainda temos tempo de tirar esses três da fila da morte. Mas isso só vai acontecer quando entendermos que salvar a fraternidade, a tolerância e o respeito não é uma tarefa para santos ou heróis — é um trabalho diário, invisível, feito por gente comum. E, se cada um assumir seu plantão, quem sabe, um dia, a alta hospitalar seja coletiva.

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Pe. José Carlos

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