A mulher da peruca

Pe. José Carlos Ferreira da Silva 

Durante uma viagem a trabalho, entrei numa galeria da cidade para comprar um carregador de celular. Coisa simples, rápida. Caminhava distraído entre vitrines que piscavam promoções e manequins imóveis. Foi então que, entre uma loja de capinhas e outra de bijuterias, vi aquela vitrine silenciosa.

Uma loja de perucas.

Ali, parada diante do vidro, estava uma mulher de lenço. Por um instante, tocou o tecido, desatou o nó e o retirou devagar. A cabeça nua brilhou sob a luz branca, e o olhar — esse sim — pesava. Aproximou-se do manequim e passou o dedo devagar pelas mechas loiras, como quem tenta lembrar o toque do próprio cabelo.

Fiquei parado, sem saber se era certo continuar olhando. Havia algo sagrado naquela cena.

Pensei que a maior dor dela não devia estar na ausência do cabelo em si, mas no vazio de quem se vê diferente e não se reconhece. A sociedade grita que cabelo é beleza, juventude, feminilidade. Quando ele vai embora, o espelho devolve um rosto novo — e nem sempre é fácil gostar desse rosto.

A mulher parecia conversar com o manequim. Pedia, em silêncio, um pouco da confiança que aquele rosto de plástico exibia. Tentava se lembrar de como era ser vista sem pena, sem curiosidade.

Vi quando ela sorriu — um sorriso breve, tímido — e ajeitou uma peruca castanha no manequim. Tocou-a como quem ensaia um gesto de coragem. Depois, respirou fundo, endireitou o corpo e entrou na loja.

Segui meu caminho, com o carregador esquecido.

Pensei que, no fundo, aquele corredor cheio de luzes e ruídos era um palco onde ela dava o primeiro passo para se reencontrar. O cabelo pode cair, mas há coisas que nascem depois: força, aceitação, serenidade.

Enquanto me afastava, imaginei que, quando ela saísse da loja, poderia usar a nova peruca — ou simplesmente deixar o vento tocar a pele livremente.

De um jeito ou de outro, sairia dali mais inteira do que entrou.

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Pe. José Carlos

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