Voz que não se cala

    Pe. José Carlos Ferreira da Silva


Minha avó materna falava pouco, lia quase nada, mas sua palavra tinha peso de pedra no bolso. Quando abria a boca, o mundo parecia baixar o volume para escutar. Ela dizia aos netos: “não caiam nas armadilhas da vida por ingenuidade ou ambição.” Na época, eu achava que era só mais uma frase que adultos repetem para preencher silêncio. Com o tempo, percebi que era aviso de quem já tinha visto gente tropeçar por pura vontade de correr antes de enxergar o chão.

Ela entendia da vida como quem entende do clima. Olhava ao redor e sabia quando ia chover. Sabia quando alguém chegava com sorriso largo demais. Sabia quando um elogio vinha com ponta de faca. Nós ríamos, achando exagero. Ela apenas servia o café e continuava quieta.

Hoje, penso no que ela diria ao ver tanta gente acreditando que as redes sociais são um terreno sem cerca. Ali dentro, muita gente fala o que não falaria cara a cara. Muita gente se fantasia de sábia, de justa, de herói cansado. E muita gente vira porta voz de interesses que nem entende. A maldade continua terceirizada, só mudou de uniforme. Agora circula de avatar em avatar, de vídeo curto em vídeo curto, procurando alguém disposto a apertar o botão sem pensar.

Minha avó, que mal assinava o próprio nome, teria visto isso tudo com a mesma calma de sempre. Teria repetido que ingenuidade rende lucro para quem sabe manipular. Teria dito que ambição cega mais rápido que poeira no olho.

E quem sabe, desligasse o celular para cuidar das plantas. Porque no fundo ela sempre soube que a vida é simples. Complicado mesmo é o barulho que a gente deixa entrar.

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Autor:

Pe. José Carlos

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