Ao longo de duas décadas de ministério sacerdotal, fui guiado pela luz dos ensinamentos de três grandes Pontífices. Fui formado durante o pontificado de São João Paulo II, ordenado e iniciei minha missão pastoral sob Bento XVI, e, nos últimos doze anos, acompanhei e fui profundamente inspirado pelo pontificado do Papa Francisco.
Desde o seminário, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola tornaram-se o eixo central da minha espiritualidade. Eles me ensinaram a buscar constantemente o discernimento da vontade de Deus, através da oração, meditação e contemplação da vida de Jesus nos Evangelhos.
Por isso, a eleição de um Papa jesuíta, que escolheu o nome de Francisco — unindo a espiritualidade inaciana à inspiração franciscana — foi, para mim, um verdadeiro sinal de esperança e renovação. Francisco, desde o início, apontou para uma Igreja em saída, com um estilo pastoral centrado em três verbos profundamente evangélicos: acompanhar, discernir e integrar.
Tive a alegria de me encontrar pessoalmente com o Papa Francisco em três ocasiões marcantes:
- 2018 – Durante um encontro para reitores e formadores de seminários em Roma, promovido pelo Dicastério para o Clero;
- 2023 – Em novo encontro com reitores e formadores, também organizado pelo mesmo dicastério;
- 2024 – Por ocasião das celebrações dos 90 anos de fundação do Colégio Pio Brasileiro, em Roma.
Em cada uma dessas audiências, pude perceber a coerência entre suas palavras e seus gestos: um homem de Deus, humilde, próximo, atento às dores e às esperanças do outro. Estar diante dele foi, para mim, mais que um momento de emoção: foi uma verdadeira experiência do Espírito, sinal de que, mesmo em tempos difíceis, a barca de Pedro continua avançando — firme, corajosa, e sempre conduzida pelo Evangelho.
Nos principais documentos de seu pontificado, Francisco propôs uma verdadeira renovação missionária da Igreja, baseada na escuta, no discernimento e na integração:
- Lumen Fidei (2013) – A Luz da Fé
Escrita em colaboração com o Papa emérito Bento XVI, esta encíclica reflete sobre o papel da fé na vida cristã, destacando sua importância como luz que guia os fiéis em um mundo muitas vezes marcado pela escuridão da dúvida e do relativismo.
- Evangelii Gaudium (2013) – A Alegria do Evangelho
Convite à Igreja para sair de si mesma, ir ao encontro das periferias e recuperar a alegria do anúncio de Cristo. Denuncia o clericalismo e o individualismo pastoral, propondo uma evangelização centrada na misericórdia e no testemunho.
- Laudato Si’ (2015) – Sobre o Cuidado da Casa Comum
Apresenta a ecologia integral como caminho de justiça e salvação. Convoca toda a humanidade — crentes e não crentes — a cuidar do planeta e dos pobres, superando a lógica do consumo e da indiferença.
- Amoris Laetitia (2016) – A Alegria do Amor
Uma profunda reflexão sobre o amor na família. O Papa valoriza o matrimônio cristão, mas sem ignorar os desafios e fragilidades humanas, convidando a Igreja a ser casa de acolhida e discernimento pastoral.
- Gaudete et Exsultate (2018) – Alegrai-vos e Exultai
Apresenta a santidade como um caminho possível e acessível no cotidiano. A santidade não é um ideal inalcançável, mas um estilo de vida inspirado pelas Bem-aventuranças e vivido com autenticidade.
- Christus Vivit (2019) – Cristo Vive
Exortação apostólica pós-sinodal dirigida aos jovens, incentivando-os a viver com entusiasmo a fé cristã, a se engajar ativamente na Igreja e a serem protagonistas na construção de um mundo mais justo e fraterno.
- Querida Amazonia (2020) – Querida Amazônia
Exortação apostólica pós-sinodal que reflete sobre os desafios enfrentados pelos povos da Amazônia, destacando a importância da inculturação, da justiça social e do cuidado com a criação.
- Fratelli Tutti (2020) – Todos Irmãos
Carta encíclica que propõe um novo modelo de fraternidade e amizade social, enfatizando a importância do diálogo, da solidariedade e do cuidado com os mais vulneráveis em um mundo globalizado.
Nos últimos anos, o Papa Francisco reforçou o caminho sinodal da Igreja por meio do Sínodo da Sinodalidade, iniciado em 2021 e concluído em 2024. Este processo envolveu uma escuta profunda do Povo de Deus e resultou em um Documento Final que orienta a Igreja a viver a sinodalidade como um estilo de vida: escutar, discernir e caminhar juntos em missão.
Com sua linguagem simples, seu estilo direto e seu coração profundamente humano, Papa Francisco marcou uma geração. Mesmo após sua partida, seu legado permanece vivo nas comunidades que escutam com mais atenção, acolhem com mais amor e discernem com mais sabedoria os sinais dos tempos.
Ele nos ensinou que a Igreja deve ser como um hospital de campanha, uma casa de portas abertas, um lugar de escuta, acolhida e reconciliação. Que seu exemplo continue a nos inspirar a sermos uma Igreja peregrina, profética e samaritana.
Pe. Thiago da Silva Vargas
Mestrando em Sagrada Liturgia – Pontifício Ateneo Sant’Anselmo – Roma
Colégio Pio Brasileiro