Por Dom Luiz Fernando Lisboa
O Dia da Consciência Negra e dia de Zumbi dos Palmares não é apenas uma data no calendário civil. É um tempo espiritual, uma provocação evangélica e um chamado pastoral para reconhecermos vidas, histórias, dores, resistências e esperanças que foram silenciadas por séculos. Quando a Igreja se aproxima deste tema, não o faz por modismo ou por ideologia, mas porque o Evangelho exige que toda pessoa seja vista, escutada, defendida e valorizada como imagem e semelhança de Deus.
Eis algumas razões pertinentes:
1. Resgatar identidades feridas: o racismo estrutural não fere apenas o corpo; ele fere a alma, a autoestima, o olhar sobre si mesmo. A pastoral deve ajudar a reconstruir identidades quebradas, especialmente entre crianças e jovens negros, lembrando-lhes que Deus os criou belos, dignos e cheios de potencial. Toda ação pastoral que fortalece a autoestima, promove pertencimento e combate estereótipos está exercendo o ministério do Bom Pastor.
2. Reconhecer a contribuição do povo negro: o Brasil nasceu, cresceu e sobreviveu sustentado pela força, pela cultura, pela espiritualidade e pela criatividade do povo negro. A Igreja tem o dever de agradecer, valorizar e iluminar essa presença que moldou a língua, a culinária, a música, a fé e a sensibilidade brasileira. A pastoral se purifica quando reconhece que muitas de suas lideranças, de sua liturgia inculturada e de seu modo de celebrar a fé trazem marcas da tradição afro-brasileira.
3. Combater o racismo como pecado social: o racismo não é apenas problema político: é pecado, porque nega o mandamento do amor e viola a verdade fundamental do Evangelho. Pastoralmente, precisamos educar, sensibilizar e denunciar práticas e estruturas que marginalizam pessoas negras. O anúncio da Palavra exige também a conversão comunitária: mudar mentalidades, corrigir linguagens e transformar atitudes que, mesmo sem intenção, reproduzem exclusão.
4. Valorizar referências e lideranças negras: uma Comunidade Eclesial de Base que não vê suas lideranças negras corre o risco de alimentar invisibilidades históricas. É papel da pastoral identificar, formar, fortalecer e enviar homens e mulheres negras para os diversos ministérios, conselhos, pastorais e serviços. A presença de lideranças negras não apenas representa justiça, mas também inspira novas gerações.
5. Assumir compromissos concretos de igualdade: o Dia da Consciência Negra, iluminado pelo Evangelho, nos leva a construir caminhos de justiça: promover formação antirracista, apoiar políticas de igualdade, ampliar a participação, defender a vida da juventude negra e acolher com especial cuidado quem sofre discriminação. É evangelização quando a comunidade se torna casa de acolhida, lugar seguro e espaço de promoção da vida.
Desta forma pode concluir afirmando que, celebrar o Dia da Consciência Negra é celebrar a ação de Deus na história, especialmente na história dos que resistiram, esperaram e permaneceram firmes apesar da dor. É permitir que a Igreja seja sacramento de reconciliação, justiça e fraternidade. É deixar o Evangelho purificar nossos preconceitos e nos conduzir ao caminho do cuidado concreto.
Que nossas comunidades sejam lugares onde toda pessoa negra seja vista, valorizada e chamada pelo nome, como Jesus fez com cada pessoa que encontrou.
E que o Reino de Deus, onde não há escravos nem livres, mas todos são irmãos (cf. Gl 3,28), comece em nós, aqui e agora.