Pe. José Carlos Ferreira da Silva
Na manhã do dia 28 de maio, em Cachoeiro de Itapemirim, acompanhei o cortejo fúnebre de uma mulher que, apesar de pequena em estatura, era gigante na entrega. O corpo da irmã Otília foi levado às ruas que tantas vezes ela percorreu discretamente, e, no caminho até o cemitério, vi mais do que um adeus: vi um reconhecimento silencioso, mas profundo, por uma vida que valeu a pena.
Ela escolheu servir, quase sempre nos bastidores, como quem entende que os gestos mais santos raramente chamam atenção. Durante anos, foi presença fiel na Santa Casa de Misericórdia — hospital onde, mais do que cuidados físicos, oferecia consolo, escuta e esperança.
Sua marca não foi uma grande obra visível, mas uma sequência de gestos cotidianos que carregavam um peso eterno.
Rezava pelas pessoas. E quando dizia “estou rezando por você”, não era maneira de encerrar conversa. Era ato. Era entrega. Intercedia de verdade, com fé simples, do tipo que move o céu. Quem já foi lembrado por ela diante de Deus sabe o valor disso.
Sabia escutar. E escutava como quem tem todo o tempo do mundo. Sem pressa, sem julgamento. Apenas presença. Num tempo em que todos querem falar, ela se tornou abrigo para quem só precisava ser ouvido.
Era prática. Na hora da doença, da crise, da solidão — irmã Otília aparecia. Com um favor necessário, com cuidado que não esperava ser notado. Servia como quem respira.
Seus abraços não eram gentilezas sociais — eram socorros. Apertavam com firmeza, demoravam o tempo certo. E suas palavras eram como sua vida: poucas, mas cheias de sentido. “Você é importante para Deus e para mim”, dizia com um sorriso que enxugava lágrimas.
E, talvez o mais bonito: ela ia. Visitava os que o mundo esquecia. Doentes, idosos, solitários. Levava o que temos de mais raro hoje: presença. Era pastoral viva. Evangelho encarnado em passos lentos, mas firmes.
Quem a conheceu de perto sabe que ela não media esforços — literalmente. Um dia, o Rio Itapemirim transbordou. A ponte, submersa. As águas, caudalosas. Era dia difícil para atravessar. Mas os doentes da Santa Casa a esperavam. E ela não hesitou: pegou carona na carroceria de um caminhão para cruzar o rio. O padre Olímpio viu a cena e sabe contar: a freirinha, agarrada à esperança, atravessando a cidade como quem tem pressa de amar. Porque para irmã Otília, nem rio cheio era empecilho para servir.
No velório, percebi que ela deixou algo que poucos deixam: uma saudade carregada de ensinamento. Porque irmã Otília nos ensinou que viver o Evangelho não exige palco, só fidelidade. E que santidade, muitas vezes, tem mãos enrugadas, vestido branco e voz mansa.
O que ela deixou precisa ser replicado. Porque, se todos rezássemos com verdade, escutássemos com atenção, ajudássemos com prontidão, abraçássemos com sinceridade, falássemos com esperança e visitássemos com amor — o mundo seria menos frio, e o Cristo, mais visível.
Irmã Otília foi discreta em vida, mas sua memória é um farol. Pequena por fora. Gigante por dentro. E eterna no que nos ensinou.