Irmã Cleusa Carolina: entre o Céu e a Selva

Kelvyn Oliveira Mantuan 

Às margens do rio Paciá,
onde a floresta respira o nome dos que não se curvam,
o tempo para — e escuta.
Lá, o vento ainda sussurra: Cleusa.
Nome que não se apaga.

Filha da terra capixaba,
menina de livros e medalhas,
que trocou o ouro das honras
pela pobreza de um “sim”.
Sor Maria Ângelis — flor agostiniana —
plantada no chão quente da Amazônia,
onde a fé tem cor de barro e perfume de chuva.

De Vitória (ES) a Lábrea (AM),
seu caminho foi ponte entre mundos,
língua que traduzia feridas,
voz que salvava pela palavra.
Mas o verbo maior — aquele que move —
foi sempre amar até o fim.

O tempo era de medo e selva ferida.
Homens armados de metal e ambição
invadiam o sonho dos povos antigos.
E ela, mulher pequena diante da selva imensa,
ergueu-se com a coragem dos que creem:
“Eu posso até morrer,
mas não deixo de estar com vocês.”

Veio o dia da travessia.
O rio — espelho de céu e sangue —
acolheu o último gesto,
o olhar firme, o silêncio que dizia tudo.
As águas levaram o corpo,
mas o Espírito ficou —
espalhado nas canoas, nas aldeias, nas orações.

Na noite seguinte, a floresta chorou,
e o povo compreendeu:
a semente germina na terra molhada de martírio.

Desde então, seu nome não cabe mais em lápides.
Corre nos cânticos das missas,
dança nas festas do povo Apurinã.
Seu braço — aquele que abençoava —
é relíquia e lembrança,
mas sua vida inteira é evangelho vivo,
escrito com o suor e o sangue dos justos.

E quando o vento passa sobre as águas,
parece levar consigo sua voz.
A floresta se inclina, reverente,
como quem faz prece em silêncio.

Porque há vidas que não terminam —
apenas mudam de morada.
Há corpos que o rio leva,
mas que voltam em cada criança que aprende a dizer justiça,
em cada mulher que escolhe permanecer.

E assim, entre o rumor das folhas e o canto distante dos pássaros,
a Amazônia inteira reza seu nome,
como se fosse um salmo antigo:

“Vale arriscar-se pela vida.”

E o Paciá, em seu murmúrio sem fim,
ainda responde —
com a ternura das águas que sabem guardar segredos:

Cleusa vive.
Cleusa floresce.
Cleusa permanece.

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Autor:

Kelvyn Oliveira

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