Leia na íntegra da homilia de Dom Luiz Fernando Lisboa na Missa do Crisma

Na Missa do Crisma, o bispo diocesano, Dom Luiz Fernando Lisboa, CP, lembrou na manhã desta Quinta-feira Santa, 17 de abril, que entre todos os Sacramentos, a Eucaristia é o Sacramento central da fé Católica. Ele voltou a pedir união entre os fiéis. “rezemos uns pelos outros e aprendamos a viver aquilo que a Eucaristia significa: Comunhão, viver em comunhão!”, afirmou (Leia a homilia abaixo).

 

Confira a íntegra da homilia de Dom Luiz Fernando Lisboa:

Queridos irmãos e irmãs presentes aqui na Igreja Catedral
Queridos irmãos e irmãs que rezam conosco por meio da Rádio Diocesana.

Estamos unidos na celebração dos Santos Óleos, na qual abençoaremos, daqui há instantes, os óleos dos Catecúmenos e dos Enfermos e consagraremos o Óleo do Santo Crisma. Nesta mesma celebração, chamada de Celebração da Unidade, os presbíteros de nossa Diocese, a quem carinhosamente chamamos de padres, estão todos comigo, o Bispo diocesano desta Igreja particular de Cachoeiro de Itapemirim, para renovar nossa unidade e colaboração. Por isso os padres renovam seus compromissos assumidos no dia da Ordenação presbiteral.

Hoje, quinta-feira santa, fazemos memória da véspera da Paixão, dia em Jesus se reuniu com seus discípulos para celebrar a Páscoa. Mas, naquela ceia, algo novo e eterno aconteceu: Ele tomou o pão, deu graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós”. Em seguida, fez o mesmo com o cálice: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue” (cf. Lc 22,19-20). E então acrescentou: “Fazei isto em memória de mim”. Assim, instituiu dois grandes mistérios que caminham juntos: a Eucaristia e o Sacerdócio.

É na Eucaristia que está o coração da Igreja. E é no Sacerdócio, exercido por cada batizado, de maneira especial por cada padre, que esse coração pulsa. O mandamento de celebrar a Ceia do Senhor não foi dirigido a todos indistintamente, mas aos apóstolos, aos quais confiou a missão de perpetuar esse gesto de salvação. A partir dali, cada presbítero, em comunhão com o Bispo e com a Igreja, passa a ser o ministro visível daquele mesmo gesto de Cristo: tomar o pão, dar graças, partir e repartir.

Celebrar a Eucaristia é, para o sacerdote, muito mais do que um rito. É colocar-se novamente no altar da vida, com suas alegrias e dores, para dizer com Jesus: “Isto é o meu corpo, entregue por vós”. Por isso, o sacerdócio não é um dom privado – ele é dado à Igreja e para a Igreja. O padre não é senhor da Eucaristia, mas seu servidor. Não é dono do altar, mas ministro da graça. Seu ministério só faz sentido quando conduz o povo à comunhão, à partilha, à vida nova em Cristo. Por isso, o padre é também formador de comunidades eucarísticas: comunidades que aprendem com ele a amar, servir, perdoar e repartir.

Em tempos de individualismo, o altar nos lembra que a vida é dom. Em tempos de pressa e superficialidade, a Missa nos ensina a esperar e contemplar. E em tempos de escassez de vocações, é urgente rezar para que surjam mais homens dispostos a viver essa entrega radical: fazer da própria vida um sacramento do amor de Deus.

Irmãos e irmãs, entre todos os Sacramentos, a Eucaristia é o sacramento central de nossa fé. Para bem descrever esse Sacramento, vou me servir das palavras do teólogo argentino (Guillermo Jesús Kowalski), que nos ensina a pensar a Eucaristia como ato de resistência profética.

Nas palavras do teólogo: “A Eucaristia não é um ritual passivo nem um refúgio para aqueles que ignoram ou perpetuam injustiças. Pelo contrário, é um memorial da Páscoa de Jesus: um ato de rendição radical contra o pecado e a morte (Lucas 22,19-20). Aqueles de nós que participamos dela somos chamados a nos identificar com Cristo, que “derruba os poderosos de seus tronos e exalta os humildes” (Lucas 1,52).

Como destacou o teólogo Gustavo Gutiérrez, “a Eucaristia é um ato político” no sentido mais profundo: ela revela as contradições do mundo e nos compromete a transformá-las por meio do amor de Cristo crucificado”.

Irmãos e irmãs, a cruz foi parar na Cruz, porque denunciou a manipulação do templo, denunciou a cumplicidade religiosa e a opressão.

De novo, lembro o teólogo argentino que afirma: “A crítica feita por Jesus aos “cúmplices da opressão” ressoa com a tradição profética do Antigo Testamento. Por exemplo, Amós condena aqueles que “pisoteiam os pobres” enquanto oferecem sacrifícios vazios (Amós 5,21-24). Da mesma forma, Jesus expulsa os mercadores do Templo (João 2,13-17), denunciando a corrupção que explora o sagrado. A Eucaristia perde o seu sentido se for celebrada sem uma conversão autêntica, isto é, sem romper com estruturas de pecado como a indiferença ao sofrimento do próximo (Catecismo da Igreja Católica, 1435)”.

Hoje, podemos afirmar que a cumplicidade religiosa atual com a opressão é o clericalismo:

Antes de tudo, precisamos distinguir entre o respeito saudável pelo clero e o clericalismo doentio – aquela sede de poder que substitui o serviço… O clericalismo se torna cúmplice da opressão quando silencia leigos e leigas, quando ignora o sacerdócio comum dos batizados (1 Pedro 2,9), quando normaliza o abuso, quando encobre crimes (como escândalos de abuso) para “proteger a instituição”, traindo as vítimas (cf. Catecismo, 2284-2287). A traição ocorre não apenas quando não se reconhecem os abusos, escondendo-os, sem repará-los, mas também quando não se ousa mudar as causas que perduram no estilo de vida atual do clero: um angelismo voluntarista que vela e não revela a dignidade humana redimida por Cristo.

O clericalismo santifica a injustiça: justifica sistemas econômicos ou políticos opressivos por meio de uma espiritualidade desencarnada, como denunciaram os mártires de El Salvador (Monsenhor Romero: “A Igreja não seria fiel à sua missão se permanecesse em silêncio diante do que destrói o povo”) ou como escreveu o teólogo Karl Rahner: “O clericalismo é uma heresia prática que transforma a Igreja em um clube para os privilegiados”.

Prezados irmãos e irmãs, prezados padres, “Não seríamos fiéis a Cristo, Pão dos oprimidos, se não resgatássemos da Fé o modelo de todos os lutadores pela justiça, mesmo aqueles incompreendidos pela Igreja da época, como Bartolomé de las Casas, que anunciou em seu tempo que a Eucaristia não é um refúgio para a indiferença, mas um compromisso com os crucificados da história, vivido pelos samaritanos que denunciam e curam as feridas do colonialismo moderno (migração, taxação tarifária, externalização de custos dos países ricos para os pobres, corrupção das elites colonizadas, tráfico de pessoas, racismo, guerras)”.

Prezados padres, prezados irmãos e irmãs, “A Eucaristia nos introduz na lógica do serviço, não da dominação” (Fratelli Tutti, 87). A Mesa do Senhor, portanto, continua sendo um ato revolucionário de amor que quebra as correntes do orgulho e do egoísmo, para concentrar energia no humilde serviço de lavar os pés de todos os nossos próximos.
Prezados irmãos e irmãs, prezados padres, prezado ouvinte da nossa Rádio Diocesana, a Eucaristia é o maná que alimenta aqueles que lutam pelo Reino de Deus.
A Presença Real do Senhor é dada principalmente para sermos nutridos e transformados Nele. A Eucaristia fortalece os oprimidos e aqueles que se solidarizam com eles; não com promessas de triunfo fácil, mas com a certeza de que Deus está do lado das vítimas e daqueles que buscam justiça para elas.

Lembremos de “São Oscar Romero, mártir da lógica deste mundo e da igreja clericalista! Até a chegada de Francisco, ele se expressava assim: “A Eucaristia nos dá a fibra para saber sofrer com Cristo e dizer: Vale a pena dar a vida pelo Reino!” (Homilia, 1980). É alimento para a resistência na luta não violenta, como ensinou Martin Luther King Jr., inspirado pela fé cristã: “A cruz é o eterno ‘não’ à opressão, e o eterno ‘sim’ ao amor que vence.”

Prezados irmãos e irmãs, prezados padres, prezado ouvinte da nossa Rádio Diocesana, aqui podemos olhar para alguns padres e bispos que nos servem de exemplo: o próprio Santo Oscar Romero, Pe. Rutílio Grande, Dom Angélico Sândalo Bernardino, falecido nesta terça-feira santa, Pe. Ezequiel Ramin, Pe. Ibiapina, Beato Francisco de Paula Vitor (Pe. Vitor), Pe. Zezinho, Pe. Júlio Lancelotti. Olhemos para nós mesmos, para o nosso clero. Todos estão se esforçando para servir bem o santo povo de Deus e muitos fazem atendimento diferenciado e trabalham muito em suas paróquias. Há muita vida sendo doada!

Prezados padres, prezados irmãos e irmãs, prezado ouvinte da nossa Rádio Diocesana, a Eucaristia é o Pão que alimenta quem dá a vida pelos outros.
A Eucaristia não é uma relíquia estática de um museu clerical: ela deve ser vivida, caso contrário seu significado desaparece, como o maná do deserto que não pôde ser acumulado.

“A Eucaristia não é uma recompensa para os bons, mas uma força para os pecadores” (Francisco), para a fraqueza humana consciente de si mesma e da graça de uma Misericórdia maior. Por outro lado, a corrupção é um pecado cínico, sem intenção de conversão.
Eucaristia é comunhão e a comunhão produz coerência no coração. Como São Tiago escreveu: “a fé sem obras é morta” (Tiago 2,17). Aqueles que comungam com Cristo sentem a necessidade de trabalhar para “soltar as cadeias da injustiça” (Isaías 58,6). O Papa Francisco reiterou: “Não podemos separar o amor a Deus do amor aos pobres. A Eucaristia nos introduz numa dinâmica de doação, não de privilégio” (Mensagem para o Dia dos Pobres, 2023).

“A Eucaristia não é justificativa para ressentimento ou violência. A Igreja rejeita qualquer ideologia que explore o sagrado para fins partidários (cf. Instrução Libertatis Nuntius, 1984). A Eucaristia não é uma arma, mas uma fonte de reconciliação. Contudo, como ensinou o Concílio Vaticano II, “a paz não é apenas a ausência de guerra, mas a obra da justiça” (Gaudium et Spes, 78).

A verdadeira paz nasce do enfrentamento das causas da opressão, não de agir “como se nada acontecesse” e de se refugiar numa piedade íntima, em sintonia com esta nova era de narcisismo espiritualista que, por omissão, alimenta os atuais pecados sociais estruturais da Igreja e do mundo.

Prezados irmãos e irmãs, prezados padres, prezado ouvinte da nossa Rádio Diocesana, a Eucaristia é o Pão para quem anda, não para quem se acomoda.

A Eucaristia é o sacramento de um Deus que “ouviu o clamor do seu povo” (Êxodo 3,7) e se fez pão partido para alimentar aqueles que caminham em direção à liberdade. Ela não consola aqueles que oprimem, mas sim os desafia; Ela não acalma aqueles que lutam, mas lhes dá forças para continuar. Como disse Dorothy Day: “Não rezamos para nos sentir bem, mas para fazer o bem”. A Mesa Eucarística, em suma, é um chamado a viver em permanente estado de conversão e resistência amorosa.

Queridos presbíteros: com o óleo do Crisma fostes ungidos nas mãos para abençoar, para perdoar e para fazer memória daquela Ceia derradeira. Parabéns pelo seu ministério.
Querido Povo de Deus: com o óleo do Batismo, todos fomos ungidos e, por isso, pelo batismo, todos os cristãos somos chamados a participar da missão de Cristo como sacerdotes, profetas e reis. Isso significa que, como batizados, somos convidados a anunciar a Palavra de Deus (profetas), a oferecer a Deus a nossa vida em adoração e serviço (sacerdotes) e a governar nossa vida e o mundo ao nosso redor de acordo com os valores do Evangelho (reis). Aprendamos a lavar os pés uns dos outros, a cuidar dos mais vulneráveis e de toda a criação.

Prezados irmãos e irmãs, prezados padres, prezado ouvinte da nossa Rádio Diocesana, rezemos uns pelos outros e aprendamos a viver aquilo que a Eucaristia significa: Comunhão, viver em comunhão! Assim seja!

 

Foto: André Fachetti

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Autor:

Diocese Cachoeiro

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