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02.05.2017

Quarto Domingo da Páscoa


(At 2,14a.36-41 / Sl 22 / 1Pd 2,20b-25 / Jo 10,1-10)

 

O Bom Pastor - A Porta da comunhão - A missão de cuidar

 

A liturgia deste quarto domingo da Páscoa traz à tona a figura do Bom Pastor, muito conhecida em toda a Sagrada Escritura, que revela o cuidado de Deus para com o seu povo eleito, ao mesmo tempo que indica a experiência feita por Israel diante do cuidado divino. Desde o salmo, passando pela segunda leitura e chegando ao evangelho, a figura do Pastor é colocada em evidência, principalmente, no que diz respeito ao seu cuidado para com as suas ovelhas. Outro símbolo significativo, é o da porta, presente no evangelho que está em relação direta com o do pastor, já que o próprio Jesus se apresenta como a porta pela qual as ovelhas devem passar a fim de entrarem em comunhão com Deus. Por fim, tanto o salmo, quanto o evangelho indicam o cuidado de Deus para com os seus, que se transforma numa missão para toda a comunidade eclesial, chamada a ser sinal e presença desse cuidado, principalmente junto aos que mais dele necessitam.

 

Na figura do Bom Pastor, que nasce na experiência de fé do Povo de Deus, está colocada as suas mais profundas esperanças e anseios, bem como as suas maiores decepções e medos. Pelo Bom Pastor o povo de Deus é  acolhido e cuidado, ouvido e atentamente conduzido ao melhor de si, à vida plena. Diante desta figura tão importante para toda a Sagrada Escritura, o povo de Israel sempre fez uma experiência muito forte, tendo o próprio Deus como o seu Pastor. Foi Ele quem conduziu o seu povo nos caminhos da História por meio da Lei dada a Moisés, levando-o à conformação à sua vontade. Tal experiência de pastoreio, que é descrita em todo o Antigo Testamento, encontra-se na liturgia desse domingo presente no salmo, na segunda leitura e também no evangelho.

 

 O salmo da liturgia deste domingo é um salmo de peregrinação e deve ser compreendido em suas duas partes: a primeira que engloba as duas primeiras estrofes, fala do cuidado do Pastor para com a ovelha e a segunda parte que se encontra nas últimas duas estrofes, diz respeito à hospitalidade, também fruto do cuidado do Pastor. A primeira parte indica, de modo específico, o pastor e a certeza que o peregrino tem de ser cuidado em seu caminho até a cidade santa de Jerusalém. Deve também ser compreendido no caminho que cada um trilha na vida, até o dia em que verá a face de Deus, quando voltar para a casa do Pai. Nesse caso, o que é ressaltado é o cuidado do Pastor, seu zelo em conduzir as ovelhas e a experiência feita pelas mesmas a partir de sua íntima relação com aquele que elas tem diante de si. Desde os verbos até as expressões utilizadas pelo salmista expressam o cuidado de Deus,  que ele reconhece quando decide partir na direção da casa de Deus. Um peregrinar até a cidade santa de Jerusalém que também deve ser compreendido como o caminho do dia a dia da vida, sempre marcado pela atenção, cuidado e guia do Bom Pastor. No caso da segunda parte do salmo, o que é colocado em evidência é o aspecto da hospitalidade, algo fundamental para os povos do Oriente. No caminho em direção à cidade santa, o salmista reconhece que o bom pastor é sempre presente, mesmo quando ele é acolhido por aqueles que, ao longo do caminho, acaba encontrando. A hospitalidade é um valor cultivado entre os povos de tradição semítica e se manifesta, de modo especial, para com aqueles que são encontrados ao longo das estradas, pelos beduínos e pelos povos nômades. Um aspecto que ressalta essa dimensão do cuidado de Deus, manifestado no cuidado que o peregrino recebe é a palavra "mesa" encontrada no salmo. Ela tanto serve para indicar o objeto que se conhece, como também pode indicar o couro do animal estendido no chão das tendas dos beduínos, lugar que serve de "mesa" para acolher os que peregrinam, a fim de que repousem e comam. Assim fica ressaltado o aspecto da hospitalidade, não somente por esse elemento, quando pelas palavras óleo, cálice e inimigo, isto é, o peregrino encontra refrigério, sua sede é saciada e ele encontra proteção ao longo de sua estrada. Todos esses elementos, somados aos encontrados na primeira parte do salmo, são expressão do cuidado de Deus sempre presente que o salmista percebe e reconhece no dia a dia de sua vida. Sinal claro de que ele nunca caminha só e de que não somente seus passos na direção da casa de Deus, no caso Jerusalém, mas também os que o conduzirão até à morada celeste são guiados por Deus.

 

Na segunda leitura a figura do Bom Pastor é reproposta, pois Jesus é apresentado como o Pastor em cujas mãos todos são convidados a colocar o cuidado das próprias vidas. Já no evangelho, o autor apresenta Jesus como o Bom Pastor, como aquele que conduz e dá a vida pelas ovelhas,  confiadas a Ele pelo Pai, numa referência clara  à sua entrega na cruz e à sua doação profunda e radical por toda a humanidade. Ele é o Pastor verdadeiro, diferente dos pastores que abandonam suas ovelhas diante dos perigos que os caminhos apresentam. Jesus, ao se apresentar como o Bom Pastor, recupera uma esperança do povo de Israel de ser conduzido pelo próprio Deus nos caminhos da História. A ligação existente entre os pastores e as suas ovelhas é algo incomparável; estas, de fato, conhecem a voz dos seus pastores e seguem suas orientações, já que se sentem seguras com a sua presença. Ainda hoje, em Israel, é possível ver rebanhos sendo guiados em meio aos desertos por seus pastores incansáveis na procura dos melhores lugares para suas ovelhas. A ovelha é muito frágil, não enxerga à distância; quando cai, se está muito cheia de pelos, não consegue se levantar sozinha e pode também ferir-se facilmente com as pedras espalhadas pelo chão ao se alimentar. Sendo assim, o cuidado do pastor deve ser redobrado e sempre constante, para que as mesmas não se firam, morram ou se percam. 

 

O outro elemento importante da liturgia desse domingo é o símbolo da porta que se une diretamente à figura do Bom Pastor, já que a porta a que o evangelho se refere é a que garante a entrada e saída das ovelhas. O simbolismo da porta, no caso do texto evangélico, está relacionado diretamente com a figura dos mercenários, os quais não entram pela porta, mas sim, buscam roubar, matar e destruir as ovelhas. Tanto o pastor quanto a figura dos mercenários, caminham lado a lado, ambos procurando chamar a atenção das ovelhas, a fim de que sejam atraídas por sua voz e os sigam. Segundo o texto bíblico, a diferença entre os dois convites está no fato de que as ovelhas não conhecem as vozes dos estranhos, que não são pastores e a estas vozes elas não seguiriam.  A vida plena é o ponto de chegada, é o lugar onde o Bom Pastor deseja conduzir seu rebanho, mas para chegar lá as ovelhas precisam saber escolher a que voz seguir. Neste caso, quando Jesus se apresenta como a porta, ele coloca a si mesmo como o "lugar" por onde as ovelhas deveria sempre passar, ele indica a si como porta de comunhão com o Pai. Em árabe a palavra porta também indica as lideranças religiosas, isto é, aqueles que deveriam conduzir o povo à comunhão com Deus. Ao se apresentar como a porta, Jesus assume o papel daquele que deve e é capaz de conduzir a todos a um ingresso na presença de Deus, a um mergulho profundo diante do mistério divino. Por isso mesmo, dizer que Jesus é a porta de ingresso na comunhão com o Pai, significa afirmar que isso se verifica em seu amor, manifestado desde a encarnação e plenamente revelado em sua entrega na cruz. Um amor livre a gratuito, amor daquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15,16).

 

Diante dos cuidados do Bom Pastor e confiando em seu grande amor, que introduz a todos na comunhão com o Pai, os discípulos de Cristo são convidados a terem não somente tal confiança redobrada nos cuidados do Pastor, mas também aprenderem com ele o cuidado para com os irmãos e irmãs. A missão do cuidado com o outro nasce da relação de profunda intimidade com o Pastor, pois é ele que conhece as ovelhas, sabe de suas necessidades e se coloca ao lado delas. Na relação contínua com o Pastor, nesse caso no caminho do discipulado missionário, todos os cristãos, chamados a serem discípulos de Cristo, aprendem a reconhecer as dores dos que vão perdidos e são capazes de se colocarem ao lado dos que sofrem, com compaixão e solidariedade. Pois, do mesmo modo que se sentiram amparados e protegidos pelo Pastor, nos caminhos da vida, são enviados em missão a fazerem o mesmo com todos os que mais necessitam da presença, da voz que defende os direitos e da mão que ampara, protege, defende e luta pela vida.

 

Que a liturgia deste quarto domingo da Páscoa, na qual a figura do Bom Pastor é apresentada em todos os seus contornos, seja capaz de despertar em todos o sincero desejo de deixar sob os seus cuidados a própria vida. De modo que seguindo os seus passos e deixando-se guiar por ele todos sejam introduzidos no mistério de Deus por meio da porta do verdadeiro amor que é Cristo, a fim de que mergulhados em tão grande amor todos sejam formados como verdadeiros pastores uns dos outros, principalmente dos que mais precisam. Marcada pela compaixão e misericórdia de Cristo, a Igreja reconhece a sua missão de ser compassiva e misericordiosa, sinal da presença do Senhor junto aos que, por vezes, ainda estão à mercê dos mercenários.

 

Pe Andherson Franklin Lustoza de Souza

 

 

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