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24.11.2015

Carta aberta.



CARTA ABERTA DIANTE DA CATÁSTROFE OCORRIDA EM BENTO RODRIGUES, MARIANA, MG

Excelentíssimo Senhor Governador Fernando Pimentel e demais autoridades:

Paz e Bem!

Nós, da Conferência da Família Franciscana do Brasil e Conferência dos Religiosos do Brasil, Regional Minas Gerais, nos solidarizamos com todos os nossos irmãos e irmãs vitimadas pela tragédia ocorrida no Distrito de Bento Rodrigues (Mariana) e ao longo do Rio Doce e, a um só tempo, expressamos nossa indignação diante deste triste fato. Esta tragédia não foi um acidente e muito menos uma fatalidade.

Sabemos que as Mineradoras há anos vêm demonstrando uma ganância desenfreada, capaz de literalmente ‘devorar’ nossas montanhas e a vida de tantas pessoas. Essas montanhas são coincidentemente as guardiãs de nossos aquíferos. Assim, essa atividade, quando não causa desmoronamentos nas barragens de rejeitos, como esse ocorrido, silenciosamente seca inúmeros aquíferos, comprometendo bacias hidrográficas inteiras, com seus ecossistemas e comunidades. Em troca, somam lucros exorbitantes, ano após ano, como o acumulado pela Samarco, na ordem de R$ 7 bilhões, somente em 2014.

Com um discurso de desenvolvimento e progresso, iludem com falsas promessas os pobres, invadem seus territórios, muitos deles habitados por centenas de anos. Destroem modos de vida e maneiras tradicionais de conhecimento e sobrevivência, a qual fica comprometida pela devastação de matas e rios – morte de peixes, diminuição da água necessária à dessedentação de animais domésticos e seres humanos.

São graves os prejuízos para a saúde das populações causados pela poeira e contaminação do solo mediante o uso de substâncias tóxicas e cancerígenas como o Arsênio, Amônia, Ácido Cianídrico, Mercúrio, entre outros. Há relatos comoventes de pessoas que teimam em conservar o que é seu por direito e se veem intimidados a vender sua propriedade para as mineradoras. Essas comunidades inocentes são expulsas de suas terras com extrema brutalidade policial, que age contra o povo, em nome do Estado.

Muitos políticos, em diferentes esferas de governo, envolvem-se em negociatas, deixando-se patrocinar por dinheiro escuso em suas campanhas. Vendem-se e vendem a riqueza que não lhes pertence, na calada da noite.

O mundo é nossa Casa Comum, não pode ser apropriado por poucos em nome de um modo de produção, distribuição e consumo concentrador da riqueza e do poder, que exclui de forma violenta, a maioria pobre.

Em nome da Família Franciscana e do Religiosos e Religiosas de Minas Gerais, expressamos nosso repúdio à barbárie acontecida em Mariana, causada pela empresa Samarco, pertencente ao grupo Vale e à australiana BHP Billiton.

Repudiamos acordos financeiros que ferem a dignidade de nosso povo, em função de alcançar o poder ou consolidar-se nele. Em nome do nosso povo sofredor e dizemos BASTA de mentiras, de falsidades, de ironias, de arrogâncias, de prepotências, de ganância.

Os bispos da América Latina, reunidos em Aparecida do Norte (2007) assim se expressaram: “nas interven­ções sobre os recursos naturais, não predomi­nem os interesses de grupos econômicos que arrasam irracionalmente as fontes da vida” (n. 471).

Em sua recente encíclica sobre o meio ambiente, o Papa Francisco exorta que “os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente. Assim se manifesta como estão intimamente ligadas a degradação ambiental e a degradação humana e ética” (Laudato Si, 56).

Minas Gerais e o Brasil precisam urgentemente fazer uma transição desse modelo econômico, dependente de commodities, para uma economia de base solidária, verdadeiramente sustentável, com uma política ambiental séria e verdadeiramente comprometida com a vida e não somente o lucro.

Somos um estado com enorme potencial turístico e agroecológico. Podemos pensar em um “decrescimento” econômico com melhoria da qualidade de vida. É nosso único caminho, pois o modelo econômico atual possui uma lógica infinita de produção e consumo, em um planeta com recursos finitos. Quando vamos realmente colocar o limite dos recursos naturais em evidência? Quando toda água disponível acabar? Estamos enfrentando uma grave e profunda crise hídrica que vai se intensificar muito nos próximos anos. Toda a excessiva demanda pelos recursos hídricos para a mineração e agropecuária, somada às Mudanças Climáticas, está comprometendo definitivamente nosso acesso à água. A mudança do clima está em curso, é inexorável e irreversível, de acordo com Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Os modelos mais modernos de cenários climáticos apontam uma redução considerável das chuvas no sudeste e nordeste do país. Neste cenário é preciso cuidar dos nossos aquíferos e áreas de recarga hídrica, e não entregá-los à exploração econômica. Sem água não existe economia.

Aproveitamos ainda para expressar nossa reprovação à PL 2946/2015, que concentra poderes no Executivo Estadual e exclui a sociedade civil, dos debates sobre licenciamento ambiental.

Queremos um povo livre, com direito de viver neste mundo como sujeito e não como objeto. Todos nós temos o direito de viver livremente, com a responsabilidade de cuidar de Nossa Casa Comum, com carinho, amor, respeito, promovendo a justiça, a verdade e a paz.

Se os Senhores, Governador e demais autoridades são realmente representantes do povo e que defendem a Vida e a luta pelos pobres, tenham coragem de dizer NÃO a esta triste realidade. Como disse Jesus: "O que vale o ser humano ganhar a vida e perder a própria alma?" (Mc 8,35). Posicionem-se a favor das vítimas, não de seus algozes.

Senhor Governador e autoridades, escutem o clamor do povo e não se deixem enganar pelos lobos travestidos de cordeiros. Não se vendam, não compactuem. Agora é a hora de testemunhar que somos a favor da vida e não da morte, que este governo tem de fato um diferencial.

Evocando, por fim, São Francisco de Assis, patrono de todos os que se dedicam às questões ambientais, nos despedimos relembrando a oração a ele atribuída:

Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Fraternalmente,

Frei Vicente Ronaldo da Silva, ofm
Presidente da Conferência da Família Franciscana de Minas Gerais.

Frei Oton da Silva Araújo Júnior, ofm
Da Equipe de Coordenação da Conferência dos Religiosos do Brasil, MG

Belo Horizonte, 13 de novembro de 20015.

 

 

 

 

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