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23.01.2017

4º Domingo do Tempo Comum


(Sf 2,3; 3,12-13 / Sl 145 / 1Cor 1,26-31 / Mt 5,1-12a)

 

A força dos pobres - A nova lógica do Reino - A necessidade da justiça

 

A liturgia da Palavra deste domingo traz um tema fundamental que perpassa todas as duas leituras e também se faz presente no evangelho, que é a força e o vigor dos pobres. Tal proposta ressalta a nova lógica do Reino que contradiz o modo de pensar do mundo e seus valores, para chamar de bem aventurados os que são desprezados e marginalizados. Deste modo é manifestada a justiça de Deus, isto é, seu desejo de amor para com seus filhos e filhas, manifestação de sua misericórdia e bondade infinitas.

 

Como dito anteriormente, toda a liturgia da Palavra apresenta como tema fundamental a força daqueles que são pequenos e pobres, dos reconhecidos como os “anawins”, isto é, os excluídos e marginalizados e, por isso, os preferidos de Deus. Na primeira leitura, o profeta Sofonias, que viveu antes do Exílio, no reinado do Rei Josías, reconhece a força deste pequeno grupo formado pelos pequenos e pobres, por aqueles que eram desprezados pelos grandes da terra, mas eram acolhidos pelo Deus fiel. Em toda a sua pregação, o profeta se contrapõe aos desmandos dos grandes e potentes, principalmente quando se colocam contra os pequenos e usufruem de sua riqueza sem se preocuparem com os que mais precisam. Por isso, seu olhar se volta para os preferidos de Deus e neles reconhece a força da fidelidade e confiança, próprias daqueles que se apoiam no Deus de Israel. Do mesmo modo, na segunda leitura, Paulo reconhece a força presente nos pequenos e fracos, naqueles que não eram reconhecidos e não tinham prestígio diante dos grandes de seu tempo. O apóstolo afirma categoricamente que as glórias dos potentes são nada diante de Deus, já que a fé não resplandece no prestígio e no poder, mas brilha na vida daqueles que em Deus colocam toda a sua confiança e o reconhecem como a fonte de suas forças.

 

Já no evangelho, estão presentes as bem-aventuranças que são o ensinamento do Reino, como uma didakhe, isto é, uma catequese sobre os valores do Reino dos Céus. Jesus descreve como felizes todos aqueles que estão em condições de receber o Reino, esses são os pobres, os pequenos e os perseguidos. Neste caso, os pobres, os aflitos, os mansos, os famintos, os misericordiosos, os puros, os promotores da paz e os perseguidos são os destinatários do Reino, de sua alegria e de sua abundância. Assim se estabelece a força daqueles que não são reconhecidos e vistos, mas esquecidos e abandonados pela lógica perversa do mundo. A sua força e vigor estão depositados em sua confiança em Deus, no fato de serem os seus preferidos, sinais claros de sua gratuidade, que escolhe os fracos para confundir os fortes e potentes. Nisto reside a força dos pequenos e a sua capacidade de dar rumo novo à história, pois se colocam na contramão da lógica do mundo e são capazes de trazer para a sociedade sinais de que o Reino de Deus já se faz presente.

 

Todavia, para que essa nova realidade se torne presente existe a necessidade de uma nova lógica, um novo modo de pensar e de viver a fé, um modo de vida pautado nos valores do evangelho. As bem-aventuranças e o elenco daqueles bem-aventurados, descrito no evangelho de Mateus, traz em si um gérmen de radical mudança, pois contradiz a lógica vigente e coloca no centro os pequenos e pobres. O evangelista ao indicar a felicidade dos pobres em espírito não louva a pobreza e a miséria, mas recupera um conceito fundamental do Antigo Testamento, que é a palavra anawin. Tal expressão possui não somente uma dimensão sociológica, ou seja, de descrever os pobres, mas também uma dimensão religioso-teológica, indicando os preferidos de Deus, aqueles para os quais o Senhor olha com uma atenção redobrada e amor infinito. Isso não significa que a Sagrada Escritura fecha os olhos para a exploração injusta do pobre e defende a sua situação de pobreza; muito pelo contrário, por meio dos profetas, Deus chama a atenção dos governantes que deveriam promover e defender a vida, mas preferem procurar e defender seus próprios interesses.

 

De modo semelhante a felicidade dos famintos deve ser compreendida a partir daqueles que têm fome e sede de justiça, os que têm a esperança de serem saciados plenamente. A sua fome e a sua sede vão para além de algo material, pois a sua esperança está depositada na renovação profunda do mundo em que vivem. Na mesma linha se coloca a felicidade dos misericordiosos, aqueles que agem com misericórdia alcançarão de Deus a misericórdia, indicando que existe uma clara identificação entre a ação humana e a divina. Um ótimo exemplo disso vem do bom samaritano: ele percorreu o caminho da misericórdia, quando agiu como um verdadeiro discípulo do amor e da solidariedade. Ao ir de encontro às necessidades daquele que estava abandonado no caminho, ele agiu como o próprio Jesus: ele foi misericordioso. Todas essas bem aventuranças indicam uma mudança de rumo, uma nova lógica capaz de direcionar a vida das pessoas por valores novos, marcados pela luz do evangelho. Para que isso aconteça é necessária a experiência própria dos discípulos do Senhor, que deixaram tudo, o seguiram e foram formados por ele. Assim, surgirão homens novos para um tempo novo, capazes de dar razões à fé que professam pelo modo como vivem e defendem a vida dos pequenos e pobres. Neste caminho de reconhecimento da força dos pequenos e da necessidade de uma nova lógica, própria do Reino, é que se faz necessária a justiça de Deus no coração dos homens e mulheres desse tempo.

 

O evangelista Mateus reconhece que Deus se coloca ao lado dos pequenos e pobres, daqueles que se confiam totalmente em suas mãos, aguardando a realização da sua justiça. Para que a nova lógica do Reino se instaure no mundo, o autor do evangelho reconhece o protagonismo de Deus na história, mas também indica a força do testemunho daqueles que por ele se deixam formar como promotores da justiça e da solidariedade.       

 

Na verdade, a experiência de Israel era a de que os reis deveriam se colocar ao lado daqueles que não podiam ou não sabiam como se defender, indo contra o "status quo" mantido pelos poderosos e defendendo os pequenos e pobres. Neste caso, a neutralidade não deveria estar presente na vida daqueles que o Senhor tinha colocado como responsáveis pelo povo. Ao contrário, esperava-se deles a força e a responsabilidade na defesa e promoção de condições de vida digna para todo o povo eleito.

        

Quando vem descrita a felicidade dos que são perseguidos por causa da justiça, logo deve-se olhar à perseguição sofrida por Jesus e, por conseguinte, pela comunidade dos seus discípulos. Tal perseguição é resultado da adesão da comunidade dos discípulos à Palavra de Jesus; tendo sido Ele perseguido, da mesma forma, serão perseguidos os seus discípulos. De fato, o próprio Jesus se colocou ao lado dos pequenos e pobres, dos excluídos e marginalizados de sua época, sendo um sinal claro de Deus que vai na direção daqueles que mais precisam. A postura do Mestre confirma o desejo de Deus no que diz respeito ao cuidado e proteção dos que são desamparados e, por vezes, perseguidos. Os seus discípulos é pedido uma adesão firme e decidida nesse caminho de promoção da justiça e solidariedade, nesse caminho da nova lógica do Reino. Assumir para si o discurso e a prática do Mestre e viver como uma comunidade promotora dos novos valores do Reino. Nesse caso, ao colocar em prática tudo o que recebeu, a comunidade dos discípulos também sofre a perseguição. Por isso, faz-se necessária a vivência da justiça do Reino, de modo que tal testemunho faça da comunidade um sinal de salvação e misericórdia de Deus junto aos que mais precisam.

 

Que a liturgia deste domingo seja provocadora de uma grande e necessária mudança nos corações de todos os cristãos, a fim de que reconheçam a força da Palavra de Deus e os seus apelos hoje na história. A fim de que a nova lógica do Reino seja abraçada por todos, de modo que, em tudo o que cada um fizer procure a vivência das bem-aventuranças. Desse modo, a justiça de Deus, que é a defesa da vida dos pequenos e pobres será o motor de uma mudança necessária, que resgata os que estão perdidos e marginalizados e promove a solidariedade e a paz.

 

Pe Andherson Franklin Lustoza de Souza

 

 

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