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07.03.2017

Segundo Domingo da Quaresma


(Gn 12,1-4a / Sl 32 / 2Tm 1,8b-10 / Mt 17,1-9)

 

A face de Deus - A confiança na promessa divina -  O caminho do discipulado

 

A liturgia deste segundo domingo da Quaresma continua os passos do caminho penitencial iniciado no primeiro domingo. Todos são colocados diante dos discípulos que são conduzidos pelo Senhor à montanha na qual Ele se transfigura, revelando a face amorosa de Deus. Na mesma direção está a primeira leitura que apresenta a figura de Abraão e a sua confiança no chamado e envio do Senhor, a fim de que se tornasse um sinal de benção para toda uma nação. Nessa relação de profunda intimidade com o Senhor é que são formados os verdadeiros discípulos missionários, capazes de seguir no caminho do discipulado em meio ás tribulações do dia a dia.

 

No relato evangélico da transfiguração sobre a montanha deve ser enquadrado na dimensão da vida humana e em seu caminho de busca constante da face de Deus, em meio à sua história, marcada por contradições. No texto bíblico a cena tem início com uma menção temporal, ausente no texto litúrgico: seis dias depois (Mt 17,1). Tal afirmação pode indicar uma recuperação do texto do livro do Gênesis que descreve a criação do mundo e de como o sétimo dia é declarado como o dia em que Deus descansou. Uma alusão clara à plenitude da manifestação divina ao criar todas as coisas, já que o número seis na Sagrada Escritura indica também o tempo  do homem e o número sete aquele de Deus. Ao indicar que a transfiguração ocorre seis dias depois, o autor propõe a manifestação do mundo divino nos limites do mundo humano. Pois o Senhor Jesus ao se transfigurar diante dos seus discípulos revela a face amorosa de Deus, iluminando o caminho dos homens. Deus irrompe o mundo humano ao revelar a sua face, iluminando o caminho de dor e sofrimento, dando sentido às lutas diárias e fortalecendo os corações vacilantes.

 

Ao se transfigurar o Senhor se apresenta aos discípulos vitorioso sobre a morte e glorioso, mergulhado na majestade divina.  Sendo assim, ao manifestar-se desse modo, ao indicar o caminho que o levaria à sua paixão, morte e ressurreição, Jesus revela o sentido pleno de toda a sua vida, iluminando os corações dos discípulos para ajudá-los a entender o caminho que teriam pela frente. De forma mais próxima o caminho que levaria o Senhor até à cruz, como também o caminho de todo aquele e aquela que deseja segui-lo como seu discípulo missionário. Por isso, todos devem se ver na pessoa de Pedro, Thiago e João que foram convidados pelo Senhor a contemplar a sua face amorosa capaz de lhes dar forças e segurança em meios às dificuldades do caminho. O evangelista nesse caso, insiste sobre a face de Jesus totalmente transfigurada, que brilhava com o sol, diante dos seus discípulos. Na Sagrada Escritura existe uma insistência sobre buscar a face de Deus, uma busca de proximidade e intimidade com aquele que nos convida a segui-lo. Na transfiguração, Jesus revela a face de Deus e a face do homem, um mistério que se revela e conduz à vida, pois se antes ninguém podia ver o rosto de Deus e viver (Ex 33,20), agora com a revelação do Filho amado todos viverão para sempre. Na face amorosa e  misericordiosa de Cristo, solidário, compassivo é revelada a plenitude da salvação que abraça a todo homem, conduz a vida e chama ao caminho do discipulado missionário.

 

A face amorosa de Deus também se revelou à Abraão, chamando-o e enviando-o a ser um sinal de benção para todo o povo escolhido. O Senhor o convida e à toda a sua família a serem portadores de uma graça especial, uma grande benção para o seu povo e para toda a terra. A iniciativa é divina de convidar Abraão a deixar a sua terra e partir, o Senhor apresenta uma estrada nova a seu servo, um caminho diverso daquele trilhado por todos antes de Abraão. Em meio às muitas misérias e morte, causadas pelo próprio homem, Deus escolhe e chama um homem a viver uma experiência de profunda confiança e fé. A partida de Abraão é solitária, pois deixa a sua terra sem pai, sem mãe, sem irmãos e sem filhos, somente com a sua mulher que era estéril. Nessa situação onde as forças humanas parecem se perder e o caminho se fechar, Abraão encontra forças na promessa divina e a sua confiança na Palavra do Senhor é a razão para sair na direção apontada por Deus.

 

Neste pequeno relato de vocação e chamado, em dois versículos, por cinco vezes aparece o campo semântico  da benção, isto é, desde os verbos até a própria palavra. Nesse caso, o caminho de Abraão, marcado pela desolação da esterilidade de sua mulher, seria transformado  pela ação divina que tudo pode e realiza. Sendo assim, a confiança de Abraão no chamado e na promessa feita que o próprio Senhor que o acompanharia, tronando-o portador de sua benção, faz com que ele assuma o envio e parta. Tal texto ganha, ainda maior significado, quando se sabe que foi escrito num período de grande desolação e tristeza para o povo de Isael, marcado pela tragédia do exílio. O povo longe de sua terra, tendo deixado para traz a sua história e cidades arrasadas, famílias dispersadas e a impossibilidade de celebrar o culto no templo, caído e totalmente destruído. Neste momento, onde a confiança nas promessas divinas se torna frágil, a figura de Abraão é um convite a recuperá-la. Deus tem o poder de transformar a história humana e deseja contar com aqueles que chamou para ser um sinal de sua presença. Desse modo, a experiência de Abraão torna-se um modelo de vivência da confiança nas promessas divinas.

 

Na revelação da face de Deus, seja ao seu servo Abraão, quanto aos discípulos que sobem com o Mestre no monte Tabor, existe um desejo divino de convidar o homem à comunhão e à intimidade consigo, bem como, chamá-lo ao seguimento por meio da fé. A voz de Deus que se faz ouvir pelos seus servos e, de maneira especial, pelos discípulos de Cristo é a manifestação desse desejo de proximidade e comunhão. O Filho amado de Deus revela, de modo pleno de sentido o significado mais profundo da história da salvação, presente nas figuras de Moisés e Elias, respectivamente, a Lei e os profetas. Sendo assim, a voz de Deus indica, aos discípulos de Jesus, quem ele é e qual a sua missão, isto é, salvar e resgatar a humanidade para o Pai. Por isso, neste rico encontro entre o mistério e a revelação presentes na transfiguração, Deus acolhe o homem marcado pelos sofrimentos, dores, incertezas, dúvidas e fraquezas, por vezes sozinho na estrada da vida, transformando tudo isso em sinais de luzes, esperanças, confiança e fé. O homem não caminha mais sozinho, pois é chamado a ser discípulo daquele que se entregou na cruz pela sua salvação. No rosto transfigurado de Jesus, Deus se revela para dizer aos que chamou para o seguimento de seu Filho, que nunca caminharão solitários. O Senhor sempre se fará presente, de modo misterioso, mas sempre ao lado dos seus, por meio da nuvem e da voz que ressoa, pois a sua graça e benção jamais abandonarão aqueles que se unem ao seu Filho no discipulado missionário.  

 

Que a liturgia deste segundo domingo da quaresma, seja um convite a subir as montanhas sagradas aos encontro do Senhor, que também podem ser encontradas cotidianamente na oração diária, na leitura da Sagrada Escritura e nos momentos de celebração e orações comunitárias. A fim de que a experiência que fez Abraão e os discípulos de Cristo seja uma constante na vida de todos, aumentando assim a confiança nas promessas do Senhor. De modo que, ao buscar a face de Deus, neste tempo de conversão, todos também a encontrem presente nos pequenos e pobres, nos excluídos e marginalizados, a quem todos são convidados a se dirigir com misericórdia e compaixão. Que a Quaresma seja um tempo de profunda conversão e busca de uma vida nova, marcada por valores evangélicos e por uma prática da caridade, própria daqueles que estão no caminho do discipulado missionário. 

            

Pe Andherson Franklin Lustoza de Souza

 

 

08/03/2017 - Niéde schuina Sara.

Gostei muito. Seus textos tem me ajudado muito nas preparações de minhas homilias. Que Deus continue te iluminando!


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